ISSN 2764-8494

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Byung-Chul Han e as crises da digitalização da vida

É provável que você ainda não tenha sequer ouvido falar em Byung-Chul Han, um filósofo e ensaísta sul-coreano, que é professor de Filosofia e Estudos Culturais na Universidade de Artes de Berlim. Ele estudou Filosofia na Universidade de Friburgo e Literatura Alemã e Teologia na Universidade de Munique.

Mas muito para além do currículo, Han se tornou um fenômeno de vendas, algo assim como um popstar da filosofia, a partir de uma série de ensaios de crítica à sociedade do trabalho e à tecnologia, em que ele disseca minuciosamente as ansiedades que o capitalismo neoliberal nos produz.

Em agosto de 2022, na Espanha, o autor de A sociedade do Cansaço afirmou que “a pandemia tornou as crises da digitalização ainda mais visíveis”, que “em si, já havia eliminado o outro”, algo que foi “agravado” com a Covid.

A sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho.

Byung-Chul Han

Digitalização, o eu e o outro

Desse modo, na opinião do professor e escritor sul-coreano e residente na Alemanha, agora estamos ainda “mais sós” do que antes, e olhando a realidade europeia e sul-coreana, acredita que “demorará muito para voltar” a situações anteriores ao coronavírus, como darmos um aperto de mão, gesto que comparou a um “poema” e até mesmo a um “presente”.

É que essa forma de cumprimentar, por exemplo, com um abraço, é considerada “algo que suja” e “transmissora de vírus”, o que enxerga como “preocupante” e que também “entristece muito”.

E mais, considera “dramático que não sejamos capazes de tocar em outra pessoa, pois isso transmite uma energia incrível”. “Não nos tocamos mais, nem contamos histórias entre nós”, lamentou. “Estamos mais sós do que nunca”, sentenciou.

Han se expressou dessa forma na inauguração do Curso de Mestrado em Filosofia, que ministra na Universidade Internacional Menéndez Pelayo – UIMP, de Santander, sob o lema Digitalização e disrupção no mundo da vida.

smartphone não é uma coisa. (…) As informações são todo o contrário aos apoios que dão tranquilidade à vida. Vivem do estímulo da surpresa. Elas nos submergem em um turbilhão de atualidade. Também os rituais, como arquiteturas temporais, dão estabilidade à vida. 

– Byung-Chl Han

Contágio e vida em relação

Em sua intervenção, em que refletia sobre o mundo pós-Pandemia, o autor de A sociedade do cansaço apontou que tal condição é o principal sintoma da COVID de longa duração. Lamentou que com a pandemia “o outro” foi “reduzido a um transmissor do vírus”, conforme reflete a máscara que continua sendo obrigatória em certos lugares.

Aos olhos do filósofo, isso é “muito destrutivo para qualquer relação humana”, especialmente se levarmos em conta que “o que mais tocamos é o celular”.

Neste ponto, indicou que, atualmente, pacientes durante tratamentos “dolorosos” se “agarram” ao telefone – ele, quando criança, segurava a mão de sua mãe -, e agem assim, como explicou, porque na condição terminal “adquirimos consciência de nós mesmos, que existimos”.

Sendo assim, agora, “o contato não parte mais do outro (mãe), mas do celular (eu)”, comparou ByungChul Han, comentando que “ficamos reduzidos a nós mesmos” e que isso, em sua opinião, supõe uma “autoexploração”. Um ponto central na sua crítica à última fase do capitalismo, o filosofo fala dela,

“Vive-se com a angústia de não estar fazendo tudo o que poderia ser feito” (…). “Hoje a pessoa explora a si mesma achando que está se realizando; é a lógica traiçoeira do neoliberalismo que culmina na síndrome de burnout”. (…) “Não há mais contra quem direcionar a revolução, a repressão não vem mais dos outros”.

Nessa dinâmica, se você não é um vencedor, a culpa é sua. É “a alienação de si mesmo”, que no físico se traduz em anorexias ou em compulsão alimentar ou no consumo exagerado de produtos ou entretenimento.

Han, na inauguração do curso da UIMP, relacionou a falta de contato com a dor crônica, que conforme disse, metade dos alemães sofre, a partir da Covid, e que tem sua origem na “depressão”. E ressalta, “se nos tocássemos, a dor crônica desapareceria”. Na mesma direção, relacionou o distanciamento social e a ausência de contato físico – algo típico da sociedade coreana – com os baixos números de infecções e vítimas de COVID naquele país – algumas “centenas” -, que, no entanto, está “no topo” do número de suicídios, com “milhares” de casos.

Tecnologia e capitalismo

Han, considerado um dos mais destacados filósofos do pensamento contemporâneo por sua crítica ao capitalismo, à sociedade do trabalho, à tecnologia e à hipertransparência, afirmou em uma entrevista ao jornal espanhol El País, que “o capitalismo digital explora impiedosamente a pulsão humana pelo jogo“. Questionado pela promessa não cumprida de uma certa liberdade que alcançaríamos pela tecnologia dos Smartphones, Han afirma,

smartphone é hoje um lugar de trabalho digital e um confessionário digital. Todo dispositivo, toda técnica de dominação gera artigos cultuados que são utilizados à subjugação. É assim que a dominação se consolida. O smartphone é o artigo de culto da dominação digital. Como aparelho de subjugação age como um rosário e suas contas; é assim que mantemos o celular constantemente nas mãos. O like é o amém digital. Continuamos nos confessando. Por decisão própria, nos desnudamos. Mas não pedimos perdão, e sim que prestem atenção em nós.

Nessa mesma linha, na conferência ditada um ano depois em Santander, alerta que “a pandemia acentuou a crise da comunidade que começou com o regime neoliberal e a digitalização”.

Embora tenha esclarecido a esse respeito que não odeia a tecnologia, pois estudou metalurgia. “Um técnico não pode odiar a tecnologia”, argumentou. Ainda, considera as máquinas “maravilhosas”, mas convidou a refletir sobre como agir para que “a digitalização não se faça segundo os mandamentos da economia e do capitalismo”.

E a propósito deste último ponto, e da proliferação e ascensão das redes sociais, o filósofo e ensaísta acrescentou que, apesar delas e da conectividade que oferecem, “estamos mais sós do que nunca”, insistiu. “A sociedade se empobreceu muito”, ressaltou.

Sem paciência para um poema

Especialista em estudos culturais, escreve em alemão, e no início do seminário confessou que também é uma “vítima” dos tempos atuais, pois devido à digitalização perdeu a atenção necessária para ler poesia. “Não tenho paciência e nem tempo para um poema”, reconheceu. Refletiu acerca do que vemos na Netflix e que “somos viciados nas séries porque não lemos poemas”.

Essa perda de concentração e atenção devido à digitalização é algo extremamente grave e vasto. Apesar de a sociedade não estar consciente disso, seu dever como filósofo é fazer um alerta: “Se continuarmos como estamos, nunca haverá um segundo Cervantes”, alertou, para finalizar.


(*) Utilizamos como base para esta matéria, texto publicado por El Diario, 01-08-2022 e uma entrevista concedida ao El País. A tradução é livre e realizada pela equipe editorial da Revista Pluriverso.

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