Joana Chagas Silva
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O dia em que aprendi a chamar o vento
Um dia, eu aprendi a chamar o vento.
Minha mãe dizia que sua avó indígena a havia ensinado. Era como se fosse um ritual, todas as vezes que lavava roupas e a chuva ameaçava cair, ela olhava para o céu, respirava, fechava os olhos e assoviava bem assim:
– fifiiiii, fifiiiii, fifi, fifi, fifiiiiiiiiii! Após cada sequência de assobios, colocava as mãos em formato de conchas e soprava em direção às nuvens de chuva. E o vento, como por milagre do Grande Espírito, levava a chuva embora, fazendo brilhar o sol sobre o branco das vestes, que expostas no quarador, ansiavam por seus raios de ternura.
Quando eu cresci, juro, bem que eu tentava, fazia tudo direitinho tim tim por tim como minha mãe havia me ensinado. Porém, todas as vezes que tentava, o máximo que conseguia era uma brisa magreeela, finiiinha… fraca, fraca, fraca…
O tempo passou, nasceram as crias, veio a maturidade e a necessidade conhecer um pouco mais sobre as mulheres que vieram antes de mim. Isto foi como um despertar dentro de mim. Entendi então, que era necessário bem mais que um simples assobio. Entendi que era preciso ter uma conexão. Uma conexão ancestral. E foi assim que eu aprendi a chamar o vento.
E é por isso que ainda hoje, quando lavo roupas e a chuva ameaça cair, eu invoco o espírito da minha bisa e assovio:
– fifiiiii, fifiiiii, fifi, fifi, fifiiiiiiiiii!
(Riscos & Rabiscos – Joana Chagas)
Joana Chagas Silva
Member9 de março de 2021 at 18:01 em resposta a: Textos Coletivos sobre Tradição OralA tradição oral são conhecimentos ancestrais que atravessam os tempos. É como diz a. Hampâte Bâ ”é a grande escola da vida cobrindo e envolvendo todos os aspectos. Ela é ao mesmo tempo, religião, conhecimento, ciência da natureza, iniciação à profissão, história, divertimento, recreação, sendo que , qualquer detalhe pode permitir alcançar a Unidade Primordial”. Pode-se estudar na academia, mas é a vivência e a espiritualidade e todos os seus ritos que de fato fazem vibrar a existência do ser. É um equívoco se pensar que somente o livro e/ou o conhecimento acadêmico é capaz de falar verdades. A oralidade não pode ser desconsiderada nas relações humanas.
A Natureza é sim, a que nos diz como devemos nos relacionar com tudo o que nos mantêm vivos, pois é ela – a Mãe Terra e tudo que nela habita que faz reverberar o espírito das coisas (os quatro elementos). Como já mencionei é a ancestralidade – nossa herança – que justifica essa memória que nos desperta e atravessa as verdades mais bem guardadas ou adormecidas, essas verdades que formam teias e rizomas que vai ligando ponto a ponto da tessitura da vida e por ela devemos agradecer.
Como diz Kaka Werá “o céu é um mundo espiritual, é a raiz de todos nós. A terra é a contraparte material do espírito”.
Joana Chagas Silva
Member4 de março de 2021 at 18:23 em resposta a: Registro sobre o olhar decolonialIniciei o registro, mas ainda não concluir. Assim que terminar incluo aqui. Grata.
Me chamo Joana Chagas da Silva – Joaninha – Nasci na beira do rio de águas escuras de Clevelândia do Norte/Oiapoque/AP. no dia 23 de março de 1965, mas meu pai acabou por me registrar no dia 24/03, tenho, portanto, duas datas para celebrar a dádiva da vida.
Costumo fazer muitas coisas nessa minha vida louca, sou licenciada em História por formação, mas descobri faz um tempo que sou educadora e gosto mesmo é de contar histórias, mediar leituras e rabiscar palavras poéticas. Assim me reconheço.
Nunca havia pensado no cheiro do meu nome, mas o cheiro que apetece as narinas desde que decidi fazer meu caminho de volta pra casa é o cheiro de Mato, de planta – oriza – e de Água de rio. A minha voz tem a cor de azul roial, com um toque de flor de maracujá. Sem dúvida nenhuma, a imagem que não gostaria de guardar e a da tristeza e dor, por isto embevecid(amente) guardo no meu olhar o pôr do sol à beira de um rio, quando o astro Sol vai descansar dando lugar àquela que faz a minha mulher selvagem uivar – a Lua. Trago no meu abraço o som úmido da Água deslizando e curando as dores do corpo e da alma. A minha história teria o gosto de lágrimas de tristeza, gosto salgado. Porém, desde quando me entendo por gente decidi que ela teria outro sabor. Um sabor para me acalmar nos momentos de adversidades que a vida insiste em nos impor. O sabor de chá de erva cidreira e alegria.
A história do meu nome é um tantinho longa, porém irei dar uma abreviada e em breve, quem sabe eu possa compartilhá-la. Me chamo Joana Chagas da Silva, de registro. Mas, este não foi o meu nome de batismo Maria Joanina (foi por pouco tempo). Como já disse antes, meu pai além de errar a data do meu nascimento, ainda trocou o meu nome. E mais, não me registrou com seu sobrenome Neri (como todos os demais filhos, mas Chagas, o sobrenome do meu avô preto (Conceição Chagas). Isto me causou grandes traumas por muito tempo. hoje sem problemas.
Meu Biso e Bisa, por parte de mãe (Inácio/Almerinda) eram indígenas, moravam na localidade chamada Taparabú – Ponta dos ìndios, beeem distante de Clevelândia, e consequentemente minha avó Filó (com que vivi até os 4 anos) e minha mãe – Raimunda Chagas. Ahhh se naquela época eu tivesse noção da importância do nome desse lugar… Enfim, eu era uma criança sendo aquilo que uma criança deve ser: criança – como diz Daniel Munduruku.
Pois bem, muito embora, não tenha memória de minha mãe e minha avó se autodeclarando indígenas, a relação com os parentes moradores de Clevelândia era sempre de muito carinho e respeito. Nos ensinavam o respeito também pela natureza, a cura pela medicina ancestral, perpassando a alimentação, a caça somente para subsistência, além das relações humanas, apostando no bem viver. Sempre que podíamos reuníamos (em círculo) para comer peixe assado com chibé, ou feijão gostoso temperado apenas com sal e gordura de porco, misturado com farinha amassado e transformado em bolinhos, ao qual davam o nome de “capitão”, que tanto a vó quanto minha mãe nos davam diretamente na boca. Aliás, comer no chão e em roda é algo comum na minha família.
Minha relação muito mais forte sempre foi com os povos da parte de minha mãe, porque eram os que moravam em Clevelândia, tínhamos convivência diária na pescaria, na caça, nas brincadeiras, no ouvir histórias, nas viagens que fazíamos de ubá até Taparabú para passar as férias, e do mesmo jeitinho era quando íamos para o “centro” do meu vô Chagas, que ficava a 7 quilômetros de Oiapoque. Era muito chão pra correr, tomar banho na cacimba ou no igarapé, plantar e colher mandioca na roça, catar para fazer farinha, bejú, tapioca, mingau de cruêra… porém, o que mais nos apetecia era deitar cedo (tipo 17h porque na mata escurece rápido), e o meu vô e Dona Clarice, sua segunda esposa também indígena, tinham que contar histórias para nós até a hora de dormir. Foi com ele que escutei pela primeira a história dos cachorros “Ouve longe, Rompe mato e quebra corrente”. Esta história me toma de tal forma que nunca a contei, por não conseguir segurar a emoção. Das etnias que descobri em oiapoque existem a Galibi, Palikur e Karipuna. a familia de minha mãe pode ser Gabili ou Karitpuna. As minhas pesquisas apontam que a familia de minha mãe pode pertencer ao povo Galibi ou Karupuna
Voltando, a família de meu pai, morava em Macapá – Capital do Amapá. Só visitávamos a vovó Maria muito raramente, pois não tínhamos condições para tal. Aliás, a família do meu pai era a parte “rica”, que sempre se deslocavam até Clevelândia para nos visitar. A casa de minha vó em Macapá, era grande, situada na rua Icoaracy Nunes. Lembro que o quintal era imenso, com uma “floresta” linda. Aquilo que eu chamava de floresta era, na verdade, um quintal cheinho de plantas: Oriza, cipó d’alho, pião roxo, hortelãzinho, hortelã grande e, uma série de plantas medicinais e árvores frutíferas das quais ela lançava mão para nos alimentar e nos curar das possíveis doenças. Eu tinha asma, foram minhas avós que me curaram.
Bem recentemente, descobri que minha vó Maria era filha de mãe indígena e vô preto. Ainda estou na escuta de meus tios e tias que ainda estão vivos para me certificar e, finalmente, saber a que povo pertenço.
Mais tarde volto para continuar…
Joana Chagas Silva
Member24 de fevereiro de 2021 at 02:47 em resposta a: Roteiro para roda de chegadaRoteiro para roda de chegada
Me chamo Joana Chagas da Silva – Joaninha – Nasci na beira do rio de aguas escuras de Clevelândia do Norte/Oiapoque/AP. no dia 23 de março de 1965, mas meu pai acabou por me registrar no dia 24/03, tenho, portanto, duas datas para celebrar a dádiva da vida.
Costumo fazer muitas coisas nessa minha vida louca, sou licenciada em História por formação, mas descobri faz um tempo que sou educadora e gosto mesmo é de contar histórias, mediar leituras e rabiscar palavras poéticas. Assim me reconheço.
Neste curso lindão espero trocar boas energias, conhecimentos e muito aprendizado
Nunca havia pensado no cheiro do meu nome, mas o cheiro que apetece as narinas desde que decidi fazer meu caminho de volta pra casa é o cheiro de Mato, de planta – oriza – e de Água de rio. A minha voz tem a cor de azul roial, com um toque de flor de maracujá. Sem dúvida nenhuma, a imagem que não gostaria de guardar e a da tristeza e dor, por isto embevecid(amente) guardo no meu olhar o por do sol à beira de um rio, quando o astro Sol vai descansar dando lugar àquela que faz a minha mulher selvagem uivar – a Lua. Trago no meu abraço o som úmido da Água deslizando e curando as dores do corpo e da alma. A minha história teria o gosto de lágrimas de tristeza. Gosto salgado. Porém, desde quando me entendo por gente decidi que ela teria outro sabor. Um sabor para me acalmar nos momentos de adversidades que a vida insiste em nos impor. O sabor de chá de erva cidreira e alegria.
Para o combinado penso que a escuta e as trocas são muito importantes. a gente tece as histórias juntas e a colcha fica mais cheia de vida.